13
Por Jerald F. Dirks, Mestre em teologia e Doutor em psicologia
INTRODUÇÃO
“Basta que você leve a vida com fé. Trata-se de um mistério divino que o raciocínio e a lógica humanos não são capazes de compreender.” Essas respostas nunca são muito satisfatórias para o devoto que busca a verdade religiosa. No entanto, quase todas as discussões em torno da trindade inevitavelmente acabam forçando o proponente da doutrina a recorrer às afirmações acima.
Para sermos justos, provavelmente não existe doutrina em todo o cristianismo mais difícil de se desvendar de forma significativa do que a da trindade. Tentativas de discutir a trindade em qualquer nível de aprofundamento, invariavelmente levam a um impasse e a esforços vãos na tentativa de especificar a inter-relação dos “três em um”. Como se relaciona o Pai ao Filho e ao Espírito Santo? Que partes da trindade derivam de que outras partes? Que partes da trindade, se houver, são subservientes às demais? Que partes da trindade realizaram o quê na história divina, isto é, que parte criou o universo? Quanto mais a pessoa se aprofundar nessas questões, mais se distanciará da razão e tenderá a alegar que a doutrina é um “mistério divino e inefável.” Desnecessário dizer que esse estado de confusão dificilmente gera alguma conclusão satisfatória e parece ainda contradizer o seguinte versículo bíblico:
Pois Deus não é o autor da confusão...… (I Coríntios 14:33)
UM PROBLEMA COM A TRINDADE
O cristianismo tradicional retrata o nascimento virginal de Jesus em termos de Jesus ser o filho “gerado” de Deus. Por exemplo, Mateus 1:18 cita que Maria acreditou ter concebido do Espírito Santo e Lucas 1:35 cita um anjo dizendo a Maria: “descerá sobre ti o Espírito Santo”. Apesar de esses versículos bíblicos soarem um tanto ambíguos para alguns, o Credo Niceno do cristianismo não permite esse tipo de ambiguidade, quando declara: “Cremos em um Senhor, Jesus Cristo, o único Filho de
Deus, gerado eternamente do Pai, Deus do Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, gerado e não feito, constituindo o mesmo Ser com o Pai.” Além disso, o chamado Credo Apostólico sustenta: “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso; criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, concebido pelo Espírito Santo…”
Como se pode notar nos trechos de versículos do Novo Testamento e nas formulações dos credos acima, um dos problemas fundamentais de se confrontar o conceito cristão da trindade é tentar decidir se o alegado pai de Jesus Cristo seria o Pai ou o Espírito Santo. Mateus 1:18 cita que Maria levava no ventre o filho do Espírito Santo, não do Pai. Lucas 1:35 diz que foi dito a Maria: “descerá sobre ti o Espírito Santo,” não o Pai. O Credo dos Apóstolos diz que Jesus Cristo era o “filho único” do Pai, mas “foi concebido por
o Espírito Santo”. Mesmo o Credo Niceno, que cita que Jesus foi “gerado pelo Pai,” em seguida cita que Jesus “foi encarnado do Espírito Santo.” Então, que é o pai de Jesus Cristo? O Pai ou o Espírito Santo?
NÃO EXISTE BASE BÍBLICA PARA A TRINDADE
Dada a confusão em relação à trindade, faz bem aquele que questiona onde e como surgiu a doutrina da trindade. Ela certamente não teve origem na Bíblia, pois a palavra “trindade” e seus cognatos e derivados jamais são citados no texto da Bíblia – nem uma vez sequer! Apesar de haver algumas referências esporádicas no Novo Testamento ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, p. ex., Mateus 28:19 e 1 João 5:7, pode-se comprovar que essas passagens são interpolações posteriores ao texto da Bíblia.
Por exemplo: a única parte de 1 João 5:7 que existe nos antigos textos da Bíblia é a locução “pois três são os que testemunham nos céus,” que se referem às três testemunhas descritas no versículo seguinte. Análises dos textos bíblicos indicam que a referência em 1 João 5:7, “o Pai, a Palavra e o Espírito Santo, sendo os três um só” surgiram primeiramente nos textos da Bíblia no século IV, inicialmente na Espanha por volta do ano 380 e somente mais tarde na Vulgata latina. Como poucos textos gregos posteriores da Bíblia contêm essa interpolação do século IV, ela foi selecionada e incluída na versão do Rei Jaime, a versão King James Bible em inglês. Em contraste, traduções recentes de estudiosos da Bíblia, inclusive a versão padrão revisada, a nova versão padrão revisada e a versão de Jerusalém, omitem devidamente essa referência, “o Pai, a Palavra e o Espírito Santo”, por ser considerada uma inserção editorial a posteriori.
Além disto, em relação à “grande comissão” citada em Mateus 28:19, que relata que “Jesus ressuscitado” disse a seus discípulos que batizassem “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,” isto também pode ser visto como uma declaração extraída dos textos antigos da igreja cristã e não das palavras de Jesus. Para comprovar o fato, basta observar que em Atos 2:38, 8:16, e 19:5 cita-se especificamente que os discípulos de Jesus, os primeiros cristãos, e até mesmo Paulo, foram batizados em nome de Jesus, e não do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ou todos eles desobedeceram deliberadamente as ordens de Cristo na “grande comissão” ou a ordem nunca foi proferida de fato. Certamente, esta última opção parece ser a explicação mais plausível. Além disso, Lucas 24 declara que Jesus ascendeu aos céus no domingo de Páscoa e portanto, não poderia estar presente para dizer o que está registrado em Mateus 28:19.
A BASE BÍBLICA PARA A UNIDADE
Apesar de não haver respaldo bíblico para a doutrina da trindade, a Bíblia é bastante explícita ao pregar a Unidade de um Deus uno. Por exemplo: a Shemá do Antigo Testamento é bastante clara ao rejeitar qualquer conceito de divindade em qualquer entidade que não seja a Unidade de Deus.
Escutai, Ó Israel: O Senhor nosso Deus é o único… (Deuteronômio 6:4)
Mais além, a ênfase na Unidade de Deus não se limita ao Antigo Testamento da Bíblia. A expressão de Unidade de Deus também se encontra no Novo Testamento.
Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o creem e estremecem. (Tiago 2:19)
Além disto, conforme relatado no Novo Testamento, a Unidade de Deus também foi realçada nas palavras do próprio Jesus Cristo.
E um dos escribas se aproximou e vendo-os discutindo em grupo e percebendo que lhes tinha respondido bem, perguntaram-lhe: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? E Jesus respondeu-lhes: O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor… (Marcos 12:28-29)
Os trechos acima são apenas alguns exemplos da Unidade de Deus registrada no contexto da Bíblia. Sob pena de comprometer a questão, os seguintes versículos representam respaldo adicional da Bíblia ao conceito de Unidade de Deus.
A ti foi mostrado para que soubesses que o Senhor é Deus; nenhum outro há senão ele. (Deuteronômio 4:35)
Vê agora que eu, até mesmo eu, sou ele e não há outro Deus comigo: Eu mato, eu faço viver; eu machuco, eu curo e ninguém há que escape da minha mão. (Deuteronômio 32:39)
Para que todos os povos da terra saibam que o Senhor é Deus, e que não há outro… (I reis 8:60)
Há outro Deus além de mim? Alhures não há Deus; Não sei de nenhum outro… Eu sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há Deus; Eu te cingirei, ainda que tu não me conheças: Para que saibam desde o sol nascente, e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o Senhor e não há outro… Anunciai e trazei-os aqui; e tomai conselho todos juntos; quem fez ouvir isto desde a antiguidade? Quem anunciou desde então? Porventura não fui eu, o Senhor? E não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador; não há além de mim. Olhai para mim, e sereis salvos, todos os extremos da terra; porque eu sou Deus e não há outro (Isaias 44:8b e 45:5-6, 21-22)
Pede-se ao leitor que observe o uso constante e repetitivo de pronomes no singular ao se referir a Deus nas passagens acima, não pronomes no plural, que seriam os mais adequados quando se trata de uma formação “três em um”.
A DOUTRINA DA TRINDADE
Como já deve estar claro, a doutrina da trindade desenvolveu-se gradualmente durante vários séculos e não isenta de controvérsias e rejeições substanciais. Ao longo de seus primeiros séculos, o cristianismo primitivo lutou para manter uma perspectiva monoteísta estrita, enquanto ainda prestava homenagem a Deus, Jesus Cristo e o Espírito Santo.Uma solução, representada primariamente pelos diversos adocionistas (ver capítulo intitulado “Jesus: homem e Deus?”), foi subordinar Jesus a Deus. Uma segunda solução, representada pelo modalismo, foi buscar alguma forma de representar o Pai, Jesus e o Espírito Santo simplesmente como três funções ou modalidades diferentes da auto-revelação de Deus, sem que houvesse “pessoas” distintas quanto à natureza de Deus.
Apenas com o Concílio de Niceia no ano de 325, a doutrina de que Jesus tinha sua substância unificada à do Pai começou a ser formulada no sentido real, apesar de que, mesmo em Niceia, pouquíssimo foi dito sobre o Espírito Santo. Além do mais, pouco havia de Unidade em Niceia além daquilo que havia ocorrido tão somente pela força das armas sob o comando do Imperador Constantino. Na realidade, a doutrina cristã da trindade não foi realmente aceita até o Concílio de Constantinopla no ano de 381. Naquela época, o concílio concluiu que o Espírito Santo não se subordinava ao Pai e ao Filho; era uma “pessoa” distinta do Pai de do Filho, mas compartilhava da mesma substância divina que os compunha. Desta forma, apenas no final do Século IV, o tradicional conceito da trindade no cristianismo começou a se tornar uma doutrina “oficial”.
O Credo Atanásio, que data aproximadamente do ano 500, declara que Deus consiste de una substantia – tres personae (uma substância – três pessoas). Porém, a controvérsia ainda estava longe de se resolver. Conforme observado por Santo Agostinho em De Trinitate (Sobre a Trindade):
“…nossos amigos gregos nos falaram de uma essência (ousia) e três substâncias (hypostases), mas os latinos falam de uma essência ou substância (substantia) e três pessoas (personae).
O CONFLITO CONTÍNUO EM TORNO DA TRINDADE
O conflito em relação à trindade, entre o cristianismo ocidental ou latino e o cristianismo oriental ou grego não se confinou apenas à questão de a trindade ser composta de três pessoas em uma substância ou de três substâncias em uma essência. Desde o século VI, a igreja ocidental gradualmente passou a introduzir a cláusula Filioque (e do filho) no Credo Niceno, logo após as palavras “no Espírito Santo… precedente do Pai”, modificando o texto para “no Espírito Santo, precedente do Pai e do Filho”. Mesmo que a cláusula Filioque não tenha se tornado uma doutrina oficial da igreja católica romana até a aceitação pelo papa no Século XI, a igreja oriental considerava essa inserção ao Credo Niceno um erro teológico. A igreja anglicana e a maioria das igrejas protestantes seguiram a doutrina da igreja católica romana, aceitando a cláusula Filioque.
Esse conflito quanto à inserção da cláusula Filioque à compreensão do cristianismo ocidental da trindade não deve ser menosprezado. Em uma reação pelo menos parcial a esse conflito, o Cisma de Fócio, no ano de 867, dividiu o cristianismo entre ocidental e oriental, em dois campos de guerra, com o Papa Nicolau I se recusando a reconhecer Fócio como bispo e patriarca de Constantinopla e Fócio, por sua vez, declarando Nicolau como deposto do papado. Em 1054, a guerra entre os cristianismos ocidental e oriental ressurgiu. Mais uma vez, a cláusula Filioque foi ao menos parcialmente culpada. O resultado final foi que o Papa Leão IX excomungou Michael Cerulário, patriarca de Constantinopla, em 16 de julho de 1054. Em uma reação rápida, Michael Cerulário excomungou o Papa Leão IX. Observe-se que essas excomunhões permaneceram em vigor até que foram revogadas pelo Papa Paulo VI e pelo Patriarca Antenágoras I em 7 de dezembro de 1965.
Como uma doutrina que resulta na excomunhão mútua de dois dos maiores líderes do cristianismo pode ser vista como qualquer coisa além de uma confusão em massa?
O ISLAMISMO E A NATUREZA DE DEUS
Um dos pontos que separam o islamismo do cristianismo contemporâneo diz respeito à natureza de Deus. O islamismo, assim como o judaísmo e diversas ramificações do cristianismo antigo, pregam um monoteísmo rigoroso e intransigente, em que Deus é visto como Uno e Indivisível. O Alcorão é mais inflexível ao insistir no Tawheed (a Unidade de Deus).
Ó seguidores do Livro! Não vos excedais em vossa religião, e não digais acerca de Deus senão a verdade. O Messias, Jesus, filho de Maria não é senão o Mensageiro de Deus e Seu Verbo, que Ele lançou a Maria, e espírito vindo dEle. Então, crede em Deus e em Seus Mensageiros, e não digais: “Trindade”. Abstende-vos de dizê-lo; é-vos melhor. Apenas, Deus é Deus Único. Glorificado seja! Como teria Ele um filho?! DEle é o que há nos céus e o que há na terra. E basta Deus por Patrono! (Alcorão 4:171)
Com efeito, são renegadores da Fé os que dizem: “Por certo, Deus é Jesus, o Messias, o filho de Maria – pois acobertam a verdade (verdadeira).” E o próprio Messias diz: “Ó filhos de Israel! Adorai a Deus, meu Senhor e vosso Senhor.” Por certo, a quem associa outras divindades a Deus; com efeito, Deus proíbe-lhe a entrada no Paraíso, e sua morada será o Fogo. E não há para os injustos quem os ajude. Com efeito, são renegadores da Fé os que dizem: “Por certo, Deus é um entre três em uma trindade”, e estarão acobertando a verdade (verdadeira). E não há deus senão um Deus Único. (Alcorão 5:17a, 72-73a)
Dize (a eles): “Ele é Deus, o Único, o Eterno e Absoluto Deus é O Solicitado, Não gerou e não foi gerado. E não há ninguém igual a Ele.” (Alcorão 112:1-4)
(Este é um trecho do livro "É fácil compreender o Islã")
Clique abaixo para ler o capítulo da amostra do livro
Por que existem o mal e o sofrimento?
O Alcorão, a Ciência Moderna e Mais
Por que crer em Deus – A voz de um muçulmano
Islamismo e racismo
Islamismo: Uma solução para os problemas sociais da América?
Algumas virtudes dos muçulmanos (Alcorão)
Algumas virtudes muçulmanas (Palavras do Profeta)
Seção III: Islamismo e cristianismo
Fundamentos em comum: judaísmo, cristianismo e islamismo
Expiação vicária pelo “Sangue do cordeiro”
O islamismo e o meio ambiente