O Islã é muito diferente de diversas outras religiões em relação ao acesso, ainda possível, às revelações originais não adulteradas. Os muçulmanos têm total ciência dos problemas que outras fés têm apresentado ao tentarem preservar suas escrituras originais (assim como os sérios problemas concomitantes que decorrem desse fato), portanto protegeram e preservaram, com todo o zelo e meticulosamente, o Alcorão em seu formato original.
Existe dois métodos principais para se preservar a autenticidade de uma mensagem.
1) Transmissão por escrito
2) Transmissão oral
No que tange à preservação do Alcorão, ambos os métodos foram ativamente utilizados e esses métodos se complementam e se fortalecem mutuamente. Esse duplo sistema de autenticação (escrita e oral) elimina as fraquezas de ambos os sistemas utilizados isoladamente.
Embora possa se presumir que o sistema escrito seja superior, este não é necessariamente o caso. Sistemas escritos podem ser expostos a contratempos não intencionais (p. ex. livros perdidos, páginas em decomposição, erros de cópia, etc.), além de tentativas deliberadas e mal-intencionadas de adulteração. Mesmo os erros mais simples de transcrição podem se multiplicar à medida que o sistema progride. Além disto, na antiguidade, a maioria das pessoas era analfabeta (o que concentraria o poder em um punhado de mãos).
Entretanto, um grande número de pessoas foi capaz de memorizar o Alcorão. Isto efetivamente funcionou como uma verificação do sistema escrito e, naturalmente, esse sistema escrito obviamente foi muito benéfico para a tradição oral.1
1 Um sistema forte de transmissão oral faz muito sentido em termos de intuição, uma vez que espelha as próprias revelações, no sentido de que estas últimas também foram transmitidas verbalmente (ou seja, os céus não enviaram um livro físico para a terra).
Em conjunto, os sistemas oral e escrito combinados geraram o sistema de transmissão mais forte possível.
A memorização é rara nos países ocidentais modernos, desta forma dificultando o reconhecimento das inúmeras pessoas que memorizaram o Alcorão. Diversos grupos de muçulmanos nas mesquitas de todo o mundo têm pelo menos uma pessoa (mas provavelmente várias) que memorizaram o Alcorão. Diversos provérbios do profeta (hadith) exaltam as virtudes de se memorizar o Alcorão.
Uma vez ao ano, todo o Alcorão é recitado (durante o mês do Ramadan), em diversas comunidades muçulmanas, por pessoas que o memorizaram. (O processo de memorização é auxiliado pelos ritmos e cadências exclusivos do próprio Alcorão).
O fato de a recitação do Alcorão na íntegra ter sido memorizada por um número tão expressivo de pessoas de diversas faixas etárias diferentes, de regiões e históricos tão diversos, foi percebido pelos muçulmanos tanto como um milagre quanto como um sinal da origem divina do Alcorão. Certamente contribuiu para a preservação do Alcorão.
Da mesma forma, o Alcorão foi inteiramente memorizado por diversas pessoas com o Profeta ainda em vida. Além disto, embora o próprio profeta fosse basicamente iletrado, ele contava com o auxílio de diversos escribas que registravam tudo para ele. Desta forma, os versículos do Alcorão foram notadamente registrados por vários escribas em “pergaminhos, folhas e caules de tamareiras.” A organização dos versículos do Alcorão (que não é necessariamente cronológica) foi também supervisionada pelo Profeta Muhammad.2
2 O próprio profeta Muhammad foi informado sobre o arranjo dos versos pelo Arcanjo Gabriel (que estava transmitindo os mandamentos de Deus). (Assim, o arranjo dos versos é divino.) O anjo Gabriel (ou seja, Jibril) costumava revisar o Alcorão uma vez por ano com o Profeta e duas vezes no ano em que ele morreu. O arranjo dos capítulos (mas não dos versículos) pode ter ocorrido logo após a morte do Profeta, embora a opinião mais forte seja que mesmo o arranjo dos capítulos (além do arranjo dos versículos) é divino.
Durante a batalha de Yamana (cerca de seis meses após a morte do profeta), diversos memorizadores do Alcorão foram mortos–o que precipitou a decisão de Abu Bakr (o primeiro Califa, ou líder, dos muçulmanos) de editar uma versão escrita oficial do Alcorão. Deve-se notar que seu intuito primário era destiná-lo às gerações futuras, uma vez que ainda havia muitas pessoas que tinham memorizado o Alcorão.
Um processo elaborado foi instituto por Zaid bin Thabit (que foi um dos memorizadores do Alcorão), que foi indicado por Abu Bakr como seu líder. Foi um processo rigoroso e abrangente. Por exemplo,
O trabalho foi verificado em comparação ao que os memorizadores do Alcorão tinham gravado em sua memória.
O trabalho foi verificado também em comparação a coleções de escritos mantidos pelos escribas e companheiros do profeta. Além disto, duas testemunhas confirmavam se os textos haviam sido escritos na presença do Profeta (e sob sua instrução).
A versão final do livro3 ficou em poder do próprio Califa Abu Bakr.
3 Ver Suhuf
Alguns anos mais tarde, na época de Uthman, a compilação de Uthman foi produzida. A compilação de Uthman foi um processo inteiramente independente que se respaldava em fontes primárias, mas semelhante ao projeto anterior de Abu Bakr. Que ser concluída, a compilação de Abu Bakr foi enviada para comparação à compilação produzida por Uthman (basicamente eram concordantes).
Sugere-se que o projeto de Uthman tenha se justificado por motivos simbólicos. Uma série de companheiros se envolveu nas batalhas (da mesma forma que ocorreu em Yamama) durante a compilação de Abu Bakr. A compilação de Uthman representou uma oportunidade de participar em um projeto muito importante e também concedeu acesso a um novo agrupamento potencial de documentos e pessoas.
Há outras diferenças entre as duas compilações. Embora o objetivo primário do projeto de Abu Bakr tenha sido o de compilar uma coletânea do Alcorão por escrito para ajudar a preservá-lo, o objetivo primário do projeto de Uthman era o de trabalhar na padronização das recitações (qiraa’aat.)
O Alcorão é uma recitação multiforme em árabe (clássico). O Anjo Gabriel havia transmitido o Alcorão para o profeta Muhammad, diretamente de Deus, de formas ligeiramente diferentes, para facilitar a compreensão de todas as pessoas; de forma a abranger pessoas idosas, jovens e menos educadas.
“O Mensageiro de Deus se encontrou com [o anjo] Gabriel e disse: ‘Oh, Gabriel! Fui enviado a uma nação iletrada, em que se encontram mulheres idosas, anciãos, meninos e meninas, e homens que sequer podem ler um livro’. E o anjo disse: ‘Oh, Muhammad! Na verdade, o Alcorão foi revelado em sete modos [ahruf]’”. Jami` at-Tirmidhi 2944
Entretanto, todos eles revelaram meios autênticos de recitação, todos válidos de forma independente, tal que até mesmo a recitação de um deles é considerada uma recitação completamente válida do Alcorão na íntegra.
O Profeta estava presente no agrupamento de Banu Ghifar. Gabriel se aproximou e disse: “Deus ordena a todos que façam sua comunidade ler (o Alcorão) em um modo [harf.]4 E ele (o Profeta) disse: ‘Ei imploro a Deus Seu perdão e sua misericórdia; minha comunidade não dispõe de tamanha força’. Então, veio ele pela segunda vez e repetiu o mesmo que já havia dito, até chegar aos sete harfs. Finalmente, ele disse: “Deus ordena a todos que façam sua comunidade ler (o Alcorão) em sete harfs; seja qual for o modo utilizado, ele estará correto. Sunan Abi Dawud 1478
4 ahruf (plural: modos; diferentes formas de se recitar o Alcorão, singular: harf)
Exemplos de recitações válidas incluem os dez qiraa’aat5 (a Lista de Ibn al-Jazarī). Observação: As diferenças entre as recitações são de pouca significância e pode incluir coisas como pronúncia ou servir para dar ênfase a um significado complementar.
5 qiraa’aat (recitação)
O códice Uthmānic foi redigido com um esqueleto consonantal (rasm), ou seja, com as letras do alfabeto árabe, mas sem os pontos consonantais (naqt al-i’jām) e na ausência de marcações diacríticas (naqt al-i’rāb). O códice foi despachado para as províncias regionais. No âmbito dos códices regionais, houve menos variações para também permitir a recitações populares autênticas reveladas (qira’at).
Este método de transcrição foi padronizado principalmente em torno de um harf, mas também acomodando alguns ahruf que serviram como base para alguns qira’at populares autênticos. Ele também serviu para eliminar qira’at (recitações) não autênticas. Desta forma, ele cumpriu o objetivo de padronizar as recitações, eliminando as versões inválidas e dando preferência a algumas recitações válidas e percebidas como autênticas.6
6 As recitações autênticas da atualidade: 1) São rastreáveis de forma autêntica diretamente ao Profeta; 2) Muitos dizem que devem ocorrer por meio do mutawatir ou de transmissão em massa; 3) Mantêm a conformidade ao rasm (esqueleto consonantal) dos manuscritos de Uthamanic (masarif): o códice principal e os códices regionais despachados; 4) Algumas pessoas dizem que deve se adequar à gramática árabe clássica. Exemplo de recitação atual: os dez qiraa’aat..
Os manuscritos de Uthman foram distribuídos para as diferentes áreas periféricas. Os códices de Uthmani e as respectivas cópias regionais não sobreviveram em isolamento. Foram suplementados por recitadores que haviam memorizado o Alcorão – as tradições oral e escrita complementaram e reinspecionaram umas às outras.
Com o consenso dos muçulmanos da antiguidade e a ordem do califa, todas as demais cópias foram destruídas (ou modificadas para o novo padrão) para evitar qualquer confusão.
Mais tarde, pequenas alterações (principalmente para ajudar pessoas que não eram de origem árabe) foram introduzidas, incluindo os pontos consonantais e sinais diacríticos, nas escrituras a fim de auxiliar em aspectos como a pronúncia.
Atualmente, é um marco realmente exclusivo do Islã que os muçulmanos possam ter a confiança de que o Alcorão que leem é idêntico às revelações feitas ao Profeta Muhammad há mais de 1400 anos.
Observação: O Alcorão existe apenas em árabe. (As traduções disponíveis são consideradas, tecnicamente e até certo ponto, interpretações do significado do Alcorão, uma vez que cada tradutor converte o texto de forma ligeiramente diferente).
Estudo adicional: Se você estiver interessado em uma análise mais detalhada deste tema, consulte a seção de fontes de referência no site do livro para obter mais informações.
(Este é um trecho do livro "É fácil compreender o Islã")
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Expiação vicária pelo “Sangue do cordeiro”
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